Por: LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e coeditor do portal atualidades do
direito.com.br
O passado do ministro Barroso não permite qualquer tipo de questionamento sobre sua competência e honorabilidade. Mas ele é um ser humano, logo, também pode se equivocar. Na verdade, ele se meteu numa grande enrascada ao decidir que o poder de decretar a perda do mandato, no caso de parlamentar corrupto condenado criminalmente, competiria ao próprio Parlamento (e não ao STF).
No século 6º a.C., Esopo
escreveu incontáveis fábulas morais. Dentre elas, esta (veja Folha de 1/9/13,
Ilustríssima, p. 8):
“Uma lebre sentiu sede e desceu
num poço para beber da água. Após haver-se fartado da deliciosa bebida, ia sair
de lá quando se deu conta de que estava confinada, pois não tinha como galgar a
subida, e começou a ficar apreensiva. Nisso, uma raposa veio ter ali também e,
ao deparar com ela, disse: ‘Realmente você se meteu numa grande enrascada! Pois
devia primeiro resolver como iria sair do poço e, só depois, descer dentro
dele”.
O ministro Barroso não podia
imaginar que sua decisão geraria a confusão que gerou no caso Donadon, tendo a
Câmara dos Deputados, malandramente, mantido o mandato do deputado que está
preso em regime fechado, com os direitos políticos suspensos. Ou seja: não pode
votar nem ser votado, mas continua deputado federal. Mais uma singularidade que
só se encontra no Brasil, ao lado das jabuticabas, claro. O corporativismo, que
é filho do parasitismo, não encontra limites éticos quando corruptos devem
julgar malandros!
Mas o ministro Barroso não é a
lebre do conto de Esopo. A lebre não tinha como sair da enrascada que se meteu,
salvo se se transformasse em raposa. O ministro, acuado pela imoralidade ímpar
do Parlamento brasileiro, achou uma saída: assumiu as funções legislativas e
passou a legislar.
Vejamos os detalhes da sua
técnica e construção legislativas:
A competência para decretar a
perda do mandado de parlamentar malandro já condenado criminalmente pelo STF é
da Casa Legislativa respectiva (aqui o ministro já caminhava fora do melhor
direito, mas ainda estava dentro dos binários interpretativos do ordenamento
jurídico).
Porém (agora vem a nova regra
legislativa saída da cabeça do ministro), “quando se tratar de deputado cujo
prazo de prisão em regime fechado exceda o período que falta para a conclusão
do seu mandato, a perda se dá como resultado direto da condenação”.
Onde está escrito isso no
ordenamento jurídico brasileiro? Em lugar nenhum. Quem inventou essa nova regra
jurídica? O ministro Barroso. Por que ele fez isso? Porque chegou no fundo do
poço a imoralidade do Parlamento brasileiro ao manter o mandato de Donadon.
Podia fazer isso? Jamais, porque ministro não é legislador. Houve ativismo
judicial positivo ou substitutivo? Claríssimo. Mas tudo foi feito para se
corrigir uma injustiça brutal? Sim. Mas os fins justificam os meios? Eis a
questão.
Qual a consequência da nova
regra jurídica inventada por Barroso?
A seguinte: se sua regra só
vale para quem está em regime fechado, ela teoricamente beneficiaria José
Genoíno, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry, porque foram condenados ao regime
semiaberto. Só teoricamente (porque eles perderam o mandato). Só para
raciocinar: como pode casos substancialmente idênticos (dos mensaleiros, do
senador Cassol, de Donadon), onde todos foram condenados criminalmente por
desvio de dinheiro público, com violação grave de dever funcional, receber
tratamentos diferenciados?
Há alguma saída inteligente
para tudo isso dentro do STF?
Sim. Qual? Recolocar o assunto
em pauta e redefinir a posição majoritária do STF, nos termos do que ficou decidido
no caso mensalão (que coincide, em linhas gerais, com a proposta de emenda
constitucional do senador Jarbas Vanconcelos, que tramita pelo Senado). A
melhor coisa que um juiz deve fazer no exercício da jurisdição é seguir o
ordenamento jurídico vigente e não ficar inventando regras novas, posto que
trazem muita insegurança.
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